Ele queria ver Lisboa. E nós fomos. Saímos de Óbidos manhã cedinho e viemos, A8 abaixo, a descobrir Quixotes nos moinhos elétricos que bordejam a auto estrada do Oeste até que, dobrada a calçada de Carriche, nos inundou a luz do Tejo.
Descemos para o rio a contar os reflexos da luz bruta e límpida, com que o Tejo enche Lisboa. Andámos desde o miradouro de São Pedro de Alcântara até à casa dos Bicos. Íamos visitar a Pilar del Rio, que queria muito que o Salman Rushdie conhecesse a Fundação Saramago.
Estacionámos por baixo do Camões, abandonámos o carro e perdemo-nos nas ruas. Não é todos os dias que se pode passear, de Camões a Saramago, contando as histórias de Lisboa a um dos maiores escritores da atualidade.
– Parece o Salman Rushdie? disse o taxista. – E a senhora é a viúva do Zé Saramago, retorqui. – Pois, pois – disse o homem troçando – e eu sou o Fernando Pessoa!
Salman Rushdie gostou de ser fotografado ao pé dos imortais escritores portugueses. Sentou-se na esplanada da Brazileira do Chiado e posou sentado, junto ao Pessoa de Lagoa Henriques. Descemos a Garret, curvámos à esquerda na Rua do Carmo e por baixo do elevador de Santa Justa entrámos da Lisboa de Pombal. Luz e mais luz, numa manha ensolarada. Pausa para café no Martinho da Arcada e mais uma memória inesquecível. Rushdie de pés cruzados, na forma de Almada, na mesa que o imortal café da Praça do Comércio tem reservada para Fernando Pessoa até à eternidade. Houve quem se perguntasse se pelo Cais das Colunas tinha chegado outro heterónimo.
Pela rua da Alfândega chegamos à Casa dos Bicos. A Pilar levou-nos por uma viagem onde Rushdie encontrava de novo Saramago. Em frente à medalha Nobel, que o escritor português ganhou em 1998, trocaram votos de futuros. A vontade de um no passado de outro.
Saímos apressados pela porta das traseiras.
– Taxi! A plataforma da Uber estava em baixo e regressámos ao Camões dentro de um carro negro e verde onde o motorista reconheceu o escritor.
– Parece o Salman Rushdie? disse o taxista. – E a senhora é a viúva do Zé Saramago, retorqui.
– Pois, pois – disse o homem troçando – e eu sou o Fernando Pessoa!
E se calhar era. Há coisas que nunca se sabem!
