Eu sou o homem que voa.
Antes apenas andava e às vezes corria mas agora sei voar. Aprendi logo à noite com o bater das badaladas. Esteve sempre ali à minha frente e eu passei este tempo todo, quase 50 anos, agarrado ao chão, e é tão fácil.
Antes eu era apenas o homem que queria voar. Mas não voava, porque só dizia isso da boca para fora.
– O que eu queria mesmo era voar, dizia ele – como se o desejo fosse apenas uma coisa feita para impressionar os outros e não uma vontade realmente própria.
Não fosse ele assim e já há muito tempo que andaria pelos ares, a fazer razias aos arranha-céus, a ver os campos de arroz crescer, a ver as carecas escondidas dos homens altos.
O segredo está nas asas, ou melhor, em não querer ter asas. Isso é para o voo dos pássaros e dos aviões. Os homens não voam assim.
Mas é tão fácil. Tão perto. Tão simples. Que não se consegue perceber porque é que ainda não andamos todos pelo ar.
Tão simples que até parece segredo. Mas não é.
A mulher que voa - Espuma dos dias
[…] A ti, nem te faltava voar. […]